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A substância eterna


A meditação sobre a transitoriedade do mundo é sobre a nossa própria transitoriedade. Mas também sobre as ilusões que temos a respeito do significado que as coisas realmente têm. A vivência do instante, esse acidente do tempo, mas também seu abismo, nos coloca diante da mudança de uma forma contínua. Mesmo que nos agarremos às formas, momento após momento, elas se dissolvem continuamente. E assim é com nossos corpos, relações e ideias sobre as formas.


Mas, certamente, somos artífices. Nos esforçamos por construir nossos corpos, relações, ideias. A intenção com que o fazemos pode expressar o amor com que fomos criados, o objetivo que o artesão maior que construiu o mundo colocou nas coisas a fim de que funcionem. Uma imitação, frágil, menor, mas que assegura a percepção de uma substância que liga aquilo que fazemos com Aquele que nos fez, da mesma forma que tudo que acontece é associado, pelo amor, ao movimento misterioso que faz existir as coisas.


Mas é possível que nossos atos não guardem sintonia e sinergia com essa substância imaterial, que é também material. Principalmente quando a esta desconhecemos ou negamos, porque a ignorância e a decisão estão ao nosso alcance, sempre. Nesses casos utilizamos razões que retiramos, pelos sentidos, de movimentos do próprio mundo; movimentos que descobrimos ou inventamos.


Mas que substância é essa que nos fundamenta então? Se está centrada na transitoriedade e em seu colapso, a intenção também é ruína, e se esgota no momento, é incapaz de desafiar a mudança contínua das coisas e se torna morte permanente.


O ato de estar em harmonia com o fluxo maior das coisas, com a intenção que organiza tudo, descola a existência das rupturas dos momentos. Abre a profundidade do instante na sua substância eterna. Faz com que os processos de ruptura ocorram numa dimensão previsível em sua natureza de mudança. Tanto faz se as coisas retornam, ou não. Tudo se vive em função de um fluxo, imanente e transcendente, que repousa sobre um mistério.


Mas este mistério sinaliza, no mundo das formas que se movem, a existência de substâncias que não podem ser mensuradas pelo tempo. Há nelas um gesto criador contínuo. Vive-se por esse mistério a redenção permanente da morte fluida que é o presente.



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© 2025 by Edgard Leite

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