Vida, vínculos, textos
Edgard Leite Ferreira Neto é professor, historiador e ensaísta. É professor na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Dedica-se a estudos de História, Filosofia e Teologia, numa perspectiva transdisciplinar.
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Aqui pode ser conhecida sua produção acadêmica: seus principais livros, artigos e ensaios, vídeos e textos de conferências, seus cursos regulares na universidade. Edgard Leite é, desde 2020, presidente da Academia Brasileira de Filosofia.

Tocqueville e a questão do sentido da nacionalidade (Conferência na Academia Brasileira de Filosofia)
"O lugar preciso de Alexis Tocqueville (1805-1859) no pensamento ocidental é sempre disputado. Como Cheryl Welch anotou, há, no entanto, um certo consenso, desde Leo Strauss, que Tocqueville se encontra em algum lugar entre dois mundos: o da filosofia antiga e o da moderna tradição de defesa dos direitos que vai de Hobbes a Rousseau".

Desafios da medicina de precisão (Conferência na Universidade Federal do Rio de Janeiro)
"A ideia de uma medicina de “precisão”, ou “personalizada”, é parte integrante de qualquer horizonte clínico, portanto, na medida em que a tradição médica estabeleceu como um dos fundamentos da prática terapêutica a consideração das particularidades do paciente. Pitágoras (c 570- c 495 a.C.), por exemplo, em período anterior a Hipócrates, já tinha anotado esse caráter personalizado do diagnóstico ao observar que apenas alguns indivíduos, e não todos, “desenvolviam uma reação fatal após ingerirem determinadas favas“ ".

Metamorfoses da concepção de tempo na modernidade: da eternidade ao fragmento (Conferência no IFT)
"Platão e Aristoteles trataram da questão do tempo de forma fundadora. Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino desenvolveram o tema, entendendo-o como importante para pensar a relação do Homem com a eternidade. O Iluminismo, tanto na modernidade quanto na pós-modernidade, buscou diminuir a significação do tempo, principalmente ao descaracterizar o seu papel na percepção de uma realidade eterna, quer ao torná-lo fisicamente mensurável, quer ao pensá-lo como eminentemente relacional"

A crítica iluminista aos milagres enquanto crítica da pessoa humana (Conferência no Programa de Pós-graduação em Lógica e Metafísica, da Universidade Federal do Rio de Janeiro)
"O pensamento iluminista atuou no sentido de desqualificar a percepção do extraordinário, do milagre e do mistério, atuando contra 'a experiência de eternidade e de atributos eternos, morais e éticos' e, ainda, reduzindo o ser humano a números e estatísticas que geraram ações de controle social nunca antes vistas e movimentos contínuos de destruição da sensibilidade".


O exercício da vontade
"Apenas a consciência individual é capaz de estabelecer os limites, se assim entender, para as vontades. Mas, para isso, não existe poder na terra que possa instalar na mente humana algo que só o ser é capaz de realizar. Uma sociedade moralista, focada em valores profundos e eternos, nada pode fazer se o individuo, por si só, pelo seu discernimento, não alcançar a compreensão de que determinadas vontades são destruidoras de sua alma".

O que somos sem amor?
"Na busca cotidiana pelo amparo, pela ternura, pela entrega, se movem todos na busca de algo maior, um algo que não tem tempo, nem se esgota no momento e não se dissolve com o vento que varre a poeira das ilusões humanas. Porque a paixão pelo momento é imagem, no presente, de um mistério que move a consciência na direção de algo que não tem passado, nem presente, nem futuro, nem antes nem depois. À uma claridade que se mantém sempre iluminada, plena de paz infinita"

Eça e Queirós e Os Maias
"Os Maias, é, como todo romance de Eça, muito vívido na descrição de Portugal de seu tempo, dos ares e do espírito que por ali existiam, e da sutil integração entre sentimentos humanos e flutuações climáticas, que parecem, às vezes, fluir e pulsar num mesmo ritmo. Os Maias nos transmite um mesmo espírito de melancolia que é próprio de nossa forma de entender o mundo, no qual a saudade e uma certa tristeza são elementos relevantes".

A verdade como missão
"A percepção de que há uma ordem no mundo, tanto neste, finito, quanto num outro, infinito, é um fundamento importante para o pensamento. Por tal entendimento podemos nos situar, diante da vida, com clareza e certezas, mesmo considerando que a existência, aqui, é repleta de obscuridades e incertezas. E por isso a história é, acima de tudo, o estudo de nossas tentativas de fazer coisas certas ou de nossas insistências em fazer coisa erradas, conectadas, ou desconectadas, a algo, ou de algo, maior que a ciência das leis do mundo".

O fim de toda insensatez
"O verdadeiro poder vem da aceitação da realidade das coisas, de seu movimento natural e da busca, nessa realidade, de algo que está além dela e que a transcende. Esta, metafísica, é verdadeira semente, a que floresce da terra, com o reconhecimento da ciência do mundo. Que trás, em si, a presença de algo maior que o mundo: a eternidade que predomina sobre o transitório, sobre nós mesmos, sobre tudo."
Passos na existência
"Assim, é certo que em cada passo que damos nessa jornada de construção de nossos vínculos no mundo, que sempre é marcado por sucessos e fracassos diante de objetivos a nós postos pelo visível, podemos perceber que avançamos apenas em limitadas margens de nossa existência. Limitadas porque a temporalidade nada sustenta de duradouro e porque o extraordinário devora toda expectativa".
Edgard Leite fala sobre sua conferência A medicina e o extraordinário na UFJF
"Os pensadores iluministas nunca se sentiram acovardados diante da possibilidade de resolver esse enigma da particularidade, principalmente porque a aplicação da física ou da química aos indivíduos equivaleria a, finalmente, inserir os humanos nesse objetivo de controlar tudo através do completo conhecimento das leis que regem a natureza e suprimir, assim todos os milagres"

Conferência de Edgard Leite Deus e a história, no Palácio do Sumaré
"O pensamento iluminista introduziu determinados problemas no pensamento, principalmente a primazia da dúvida. Não a dúvida, apenas, porque essa foi sempre uma constante em todo pensamento humano. Mas a superioridade da dúvida, da desconfiança. Esse aspecto do entendimento do mundo exerceu uma influência imensa sobre o mundo intelectual e sobre a existência das pessoas".


A afirmação da essência e do mistério
"Considerar alguém pelas suas ideias, por exemplo, e não pelo que ela é, como ocorre hoje em dia, é reduzir o ser humano à uma mera existência, a uma espuma num rio. As ideias mudam, se dissolvem e se reaglutinam. E se transformam em outras. Mas o ser que as pensa não se resume a elas, é infinitamente maior"

Anestesias
"Porque a anestesia cala, para nossa consciência, a essência que nos define e inibe, num estado comatoso, nosso desejo de ser. Numa cirurgia é uma grande coisa. Mas no cotidiano pode ser o fundamento de um inferno, no qual a alma sofre, mas finge, para si mesma, que não. Não há experiência da perda, nem percepção do amor."
A especialidade e o nexo
"A profissionalização dos cientistas, a necessária limitação a temas cada vez mais específicos, faz repousar sobre as grandes teorias o papel de elemento construtor dos sentidos. Mas ao se concentrar nos pontos específicos e desenvolve-los absolutamente, nem sempre se acompanha outros desenvolvimentos específicos e a natureza dos limites com os quais as teorias gerais se defrontam."

A espiral de silêncio é uma conquista
"O controle do pensamento alheio surge como necessidade dos projetos que pretendem reinventar o entendimento. Mas é claro que todo esse esforço naufraga exatamente no fato de que o pensamento não é controlável por outras pessoas além daquela que pensa. A intensa produção de entendimentos concordantes está normalmente à mercê de um projeto qualquer de poder, que exige este ou aquele princípio conceitual estruturante. Por mais absurdo que esses entendimentos possam ser, a sua imposição às consciências é justificada por conta do poder que emergirá a partir de muitas concordâncias.".


A Independência dos Estados Unidos
"Um grande vazio, que chega a ser gritante, na obra de Eric Hobsbawm sobre o mundo contemporâneo, é a ausência de uma consideração relevante sobre a Independência dos Estados Unidos da América. A sua atitude, nesse caso, é a de estruturar uma "espiral de silêncio”, em torno do assunto. Ocultá-lo, faze-lo desaparecer do corpo de suas divagações marxistas sobre a história".

A União Soviética e o retrato de Dorian Gray
"É natural que a aparência seja essencial, na venda de um produto. Principalmente num mundo totalmente voltado para o efêmero, onde o culto do instante e de sua transitoriedade é fonte de satisfação. Mesmo que dolorosa, porque de curta duração. A importância da aparência na venda de um produto, principalmente quando ela gera sentimentos extremados, foi muito bem demonstrada pelo escritor inglês Oscar Wilde (1854-1900), no final do século XIX."
Passos na existência
"A ideia de que somos existencialmente pequenos, isto é, a de que somos menores diante da grandeza do mundo, dos desafios da vida e da realidade da morte, deve ser horizonte essencial para nosso crescimento. Mesmo quando crescemos e nos tornamos algo que nos parece ser importante ou grandioso".

A presença da eternidade nos sonhos
Sigmund Freud (1856-1939) e Carl Jung (1875-1961), psicanalistas fundadores, realizaram muitas pesquisas sobre o mistério dos sonhos. Podemos mesmo dizer que era este um dos temas centrais de suas investigações. Embora próximos entre si, em diversas coisas, discordaram, no entanto, nas suas conclusões sobre o tema. Uma questão central, para ambos, era sobre o material do sonho: qual a sua natureza?

A doçura contida no amargor da vida
"No final do romance Os Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas (1802-1870), D’Artagnan, nomeado tenente dos Mosqueteiros, se despede, emocionado, de seus leais amigos, Athos, Porthos e Aramis. Cada um deles, por diferentes razões, segue seu próprio caminho:
“-Não terei mais amigos - disse o jovem - Mais nada, só recordações amargas…"

A era dos simulacros
"Entre os poemas de Jorge Luis Borges (1899-1986), encontra-se O Gólem.
Trata-se de uma reflexão quase filosófica sobre um movimento banal do Homem: o tentar tornar-se Deus. E uma das expressões dessa anseio: criar um ser humano artificial. Tanto alquimistas quanto cabalistas se dedicaram a isso por séculos Na Alquimia, tentavam fazer crescer o homúnculo, a partir de matéria orgânica: sémen, sangue. Na Cabala, o objetivo era criar o gólem, a partir de matéria inanimada: barro."


Origens da iconografia budista
"Dois elementos podem ser depreendidos de uma análise das origens da iconografia budista. Primeiro, a existência de um claro conflito doutrinário entre proposições mahayana e hinayana, perceptível no momento em que o budismo começa a expressar-se iconograficamente. Tal conflito
traduz-se no campo das imagens através da representação ou não-representação da figura do Buddha histórico, realçando-se ou não perspectivas
devocionais".

Desenvolvimento da concepção do nirvana budista
"Buddha preocupou-se essencialmente em solucionar o problema do sofrimento humano, ou dukha, cuja natureza não estaria, segundo ele, apenas limitada as experiências desagradáveis, mas a todo tipo de experiência vivida imbuida de transitoriedade, mesmo as satisfatórias. A origem de
dukha foi identificada por Buddha, após uma longa meditação, no desejo, ou trsnã. Este desejo desenvolveria nos homens uma visão equivocada do caráter impermanente dos fenômenos, ao pretender a sua continuidade ou
imortalidade, e assim potencializaria os efeitos do sofrimento'".